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"Quem souber se renovar, disputará o futuro"

 Em entevista, o cientista político Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, diz que a polarização PT x PSDB não faz mais sentido

Vandeck Santiago - Diario de Pernambuco



 (Arquivo Pessoal)
O cientista político Marco Aurélio Nogueira é um dos estudiosos que melhor pensa o Brasil na atualidade. Nas últimas semanas seu principal foco de observação são os protestos de rua e as consequências deles na política nacional. “Pode ser um exagero dizer isso, mas tudo leva a crer que não se poderá mais governar como antes”, diz ele, afirmando que daqui por diante, para os políticos, valerá a concepção de que “só quem souber se renovar disputará o futuro”. Diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ele é tradutor da obra de Antonio Gramsci e autor de uma série de livros, como Em defesa da política (Senac - 2005), Potência, limites e seduções do poder (Unesp, 2008) e O encontro de Joaquim Nabuco com a política (Paz e Terra, 2010).

Marco Aurélio observa o Brasil com um olhar progressista, mas sem ranços nem ligações partidárias. “Não milito em partidos há décadas. E me comporto eleitoralmente em função de análises situacionais”, escreveu ele recentemente, em texto sobre o plebiscito. A onda de protestos que sacudiu o Brasil nos fez “entrar em outra dimensão”, considera Marco Aurélio, e a vida política brasileira terá de adaptar-se a isso. No seu livro Em defesa da política, ele destaca que podemos falar em “crise” quando algo velho já não consegue se adaptar e dirigir o novo. Mas antes que um partido comece a comemorar achando que as manifestações só prejudicaram o adversário, ele avisa que “nenhum partido ou político escapou da crítica das ruas”. O próprio desgaste na popularidade da presidente Dilma Rousseff, apontado em pesquisa do Datafolha, pode ser algo transitório, ressalva ele - se é ou se não é, só saberemos nos próximos meses. Mas no cenário que vivemos hoje é possível também perceber algumas certezas, e uma delas é que a polarização PT x PSDB deixou de fazer sentido, como ele explica nesta entrevista ao Diario:

O senhor diz que os protestos de rua poderão “ser a plataforma de lançamento de um novo ciclo democrático no país”. Como isso pode acontecer? Por meio da criação de um partido que “os represente”?Os protestos atuais não podem criar um partido que os represente simplesmente porque seu eixo é a contestação dos partidos e daquilo que está organizado. Eles são uma contestação do sistema político tal como está estruturado e responde às demandas sociais. São o desenho de um novo modo de pensar e fazer política, que não é antipolítica ainda que possa ter componentes de antipolítica. Os protestos expressam o desejo de muitos grupos sociais – e sobretudo dos jovens – de participar da política, mas desde que a política seja distinta, seja mais receptiva, tenha outros conteúdos e siga outros procedimentos. É nesse sentido que eles são a “plataforma democrática” a que me refiro.

Mas eles vão influenciar a prática dos partidos já existentes e da política brasileira?
Eles podem ter uma influência extraordinária tanto sobre os partidos quanto sobre a política como um todo, pressionando-os a agir de outro modo, forçando-os a voltar a dialogar com a sociedade, incentivando-os a trocar os conchavos palacianos pelo embate com a vida cotidiana, com as ruas e as pessoas, exigindo que sua comunicação política e sua propaganda se soltem das estratégias mercadológicas e midiáticas. Em termos organizacionais, os protestos estão a sinalizar, para os partidos, que a estrutura centralizada e burocrática em que funcionam não é mais palatável, não tem condições de atender às expectativas sociais e nem à dinâmica da sociedade. Ao passo que essa dinâmica funciona em alta velocidade e cada vez mais em rede, os partidos - todos eles, sem exceção - patinam nos velhos modelos com que vieram ao mundo. É difícil determinar qual será a tradução prática efetiva disso. Muito provavelmente, em termos organizacionais, os partidos continuarão mais ou menos os mesmos e nesses termos permanecerão semivivos na política. Mas em termos programáticos, substantivos, em termos de discurso, comunicação e interação, dá para dizer que sofrerão uma importante inflexão democrática.

A polarização PT x PSDB ainda faz sentido?
Ela não faz mais sentido há tempo. A pauta que a organizou, de caráter eminentemente dicotômico – tipo: se o PT diz isso, o PSDB diz precisamente o oposto, e vice-versa —, já não responde mais à sociedade real que se constituiu no país. Como os partidos e os políticos são conservadores - não em termos ideológicos, mas em termos de resistência à mudança-, e como a influência do marketing político continuará a se fazer sentir, a polarização poderá ter sobrevida. Não saberia dizer se ela será desativada na próxima eleição presidencial. Mas creio que enquanto ela se mantiver, não sairemos da crise atual e nem conseguiremos pensar adequadamente o futuro. Se fosse possível falar em termos de ideias, o melhor seria que surgisse uma alternativa que pulverizasse essa polarização, que a desativasse e propiciasse ao PT e ao PSDB um retorno às suas origens, um independentemente do outro, mas ambos se respeitando e buscando trabalhar de modo mais articulado. Eles não cabem do figurino estreito da dicotomia esquerda versus direita.

As ruas pediram reformas para problemas concretos e agora estão lhe oferecendo reforma política. Isso significa que partidos e governo não entenderam a mensagem das ruas?
Todos entenderam a mensagem das ruas. Mas ninguém soube bem como responder a ela. Soluções para problemas concretos como saúde, educação e transporte não podem ser apresentadas no curtíssimo prazo, demandam estudos e providências várias. Podem ser anunciadas, mas não praticadas de imediato. Ao mesmo tempo, tudo passa pela política, pelo sistema político. Quanto mais ele funciona bem, melhores serão as respostas para os problemas concretos. Assim, a proposição de uma reforma política é correta: a sociedade não tolera mais o sistema em que vive e percebeu que ele não tem qualidade para que se governe o país. É o mesmo sistema de antes, que não foi capaz de se autorreformar sob o empuxo fornecido pelo movimento democrático dos anos 1980. Nem a Assembleia Constituinte que formulou a atual Constituição tocou nele. O sistema ficou tão viciado, tão impregnado de conservadorismo, letárgico e distante da sociedade que sua reforma se tornou uma medida de saúde pública.

Como o senhor viu a forma como a reforma política foi apresentada?
A proposição da reforma política é correta, mas a forma como ela foi apresentada, não. O governo federal deveria ter aproveitado a força dos protestos para se reformar a si próprio, ou seja, para rever sua organização, suas opções, para livrar-se da sua banda podre e reformular a base parlamentar em que se apoia. Deveria ter feito uma proposta concreta de reforma, não um chamamento para que se discuta uma reforma. Sem uma ideia de reforma que seja saneadora da República e democrática radical, ou seja, aberta à ampliação da participação popular e à sociedade civil, não vejo como se discutir reforma política e promover mudanças efetivas no sistema político. Creio mesmo que a ausência dessa iniciativa reformadora explícita na reação governamental está na raiz das dificuldades que a proposta presidencial do plebiscito encontrou para ser assimilada, assim como dos desencontros horrorosos que se observa entre os operadores governamentais de Brasília. Há dois equívocos graves sendo repetidos pelo país. Não é verdade que o povo não possa deliberar sobre a reforma política por não ter inteligência necessária para examinar temas técnicos complexos. Tem muita inteligência, sobretudo do tipo cívico, político, que nesse terreno é mais importante que a inteligência técnica. O segundo equívoco é achar que, por ter essa inteligência, o povo pode decidir sem discussão. Uma reforma política feita com participação popular é no momento atual a joia da coroa. Não se deveria estragá-la.

Todo governante pode perder e recuperar popularidade. O senhor acha que neste caso da presidente Dilma Rousseff há alguma singularidade que indique que a perda de popularidade é definitiva e não transitória?
Estamos em pleno jogo e tudo pode nele acontecer. Teremos de esperar um pouco antes de concluirmos que o desgaste da presidente Dilma é definitivo a ponto de levar seu governo à inoperância ou de alijá-la da disputa presidencial de 2014. Há muitos dados que ainda estão a ser processados. Por exemplo, não dá para saber qual é a dimensão exata do “fogo amigo” que já exibe certa expressão dentro do PT, assim como não dá para avaliar a força que tem o sebastianismo do “volta Lula” que setores do partido ensaiam há algum tempo. Mas é um fato que a perda de popularidade é importante e seria um erro grosseiro se ela não fosse reconhecida. Mas não há nada perdido em definitivo.

No quadro que se criou, o senhor acha que um candidato da base governista, como Eduardo Campos, pode credenciar-se como alternativa a Dilma? Isso, claro, considerando que Lula não entre no páreo…
Mesmo que Lula entre no páreo, a eleição de 2014 ficou mais aberta do que nunca. Se quisermos especular livremente, seria possível dizer que o clima atual favorece muito mais a candidaturas que se anunciem como em maior ou menor grau como outsiders, como “diferentes” das candidaturas tradicionais. Não é importante saber se serão candidatos de oposição ou da base governista, mas sim ver se conseguirão interpelar democraticamente as ruas com uma agenda substantiva bem concatenada e um discurso mais qualificado. Perderam pontos os candidatos - jovens ou velhos, tanto faz - com propostas e modelos desgastados de campanha, com promessas demagógicas ou imprecisas, com anúncios bombásticos de novos tempos, com atitudes que anunciam coisas que ninguém conheceu jamais. Poderão até permanecer em circulação, disputar e vencer as eleições, mas não conseguirão ganhar a credibilidade adicional necessária para fazer a diferença. A beleza do momento atual é que o nível da água subiu até a boca do tonel e entrou nos palácios. Quem não souber nadar, morrerá afogado ou se alijará do jogo político que importa. Quem souber se renovar, disputará o futuro.
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