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Sequestrado no deserto sobrevive e conta história de torturas


BBC Brasil



Depois de sofrer sete meses de surras, queimaduras, choques elétricos e ameaças de morte, um refugiado da Eritreia foi finalmente libertado por seus sequestradores no deserto do Sinai, no Egito. Com o corpo coberto de cicatrizes, sofrendo de problemas respiratórios e ferimentos ósseos, Philemon Semere, hoje no Cairo, descreveu à BBC a sensação de estar finalmente em liberdade.
"Palavras não são suficientes para expressar quão bem me sinto agora. Estou tão aliviado após tudo o que passei. A morte estava tão perto de mim e por um momento toda a esperança se foi".
É difícil acreditar que este é o homem cuja história terrível foi manchete na Grã-Bretanha e vários países do mundo há alguns meses.
Durante uma entrevista telefônica para a BBC em novembro do ano passado, petrificado de medo, Philemon balbuciou, em inglês precário:
"Não tenho comida nem água suficiente. Me batem com paus, me queimam com fogo e eletricidade. Meu corpo está queimando. Por favor me ajude, por favor me ajude".
Os beduínos que o sequestraram forçaram-no a fazer chamadas telefônicas frequentes à família, dizendo que ele seria morto se não pagassem o resgate de US$ 33 mil.
Com a permissão da família de Philemon, a BBC telefonou várias vezes - e sem sucesso - para o número de onde ele havia telefonado. Até que, finalmente, alguém atendeu.

Frieza e escárnio
Uma pessoa que não se identificou quis saber quem estava chamando e por quê. Após a resposta, houve um longo silêncio.
Então Philemon pegou o telefone. Chorando, ele disse que sua família não podia pagar o imenso resgate e que temia ser morto em breve.
De repente, um outro homem pegou o telefone. Sua voz era fria e cheia de desprezo.
"Se ele não tiver nenhum dinheiro, vou matar Philemon".
A reportagem perguntou ao homem - que mais tarde me disse ser o líder da gangue de sequestradores - se ele tinha matado outras vítimas por não haverem pago os resgates. Ele pareceu deliciado com a pergunta.
"Matei muitas pessoas aqui".
As evidências parecem confirmar isso.

Implorando por dinheiro
A ONU calcula que, em média, 3 mil eritreus fugiram para o leste do Sudão a cada mês no ano passado.
Durante o percurso, muitos foram sequestrados, torturados e mortos por gangues de beduínos que praticam o tráfico de pessoas.
Seus corpos são com frequência jogados no deserto do Sinai, península montanhosa e desértica do Egito.
Philemon contou que ele e um grande número de eritreus haviam sido aprisionados por sequestradores logo depois de cruzarem a fronteira do Sudão. No entanto, eles tinham conseguido fugir para o deserto.
Morrendo de sede, tiveram de beber sua própria urina para sobreviver a quatro dias de calor intenso. Conseguiram, no entanto, chegar a uma pequena cidade, onde pediram ajuda.
Porém, em vez de ajudá-los, os moradores do vilarejo chamaram os sequestradores.
Dentro de horas, acorrentados e amarrados, os refugiados foram jogados dentro de um caminhão e levados para o norte do Sinai.
"Quando chegamos lá, ficamos surpresos, porque a casa para onde nos levaram era bem bonita. Mas minutos depois, fizeram com que deitássemos no chão e disseram que morreríamos a não ser que nossas famílias pagassem US$ 33 mil", ele explicou.
Nos dias e meses que se seguiram, Philemon e outros 19 reféns eritreus foram obrigados a telefonar várias vezes para suas famílias e implorar para que conseguissem dinheiro para pagar seus resgates.

'Ela ouviu meus gritos'
Os sequestradores sabem que muitos eritreus têm parentes que trabalham em países ocidentais e podem apelar a eles por ajuda.
Assim que os reféns recebiam os telefones, começavam as surras, as queimaduras e os choques elétricos.
"Queriam que nossos parentes nos ouvissem gritar e chorar de dor. Assim, havia mais chance de que pagassem o resgate", explicou Philemon.
Ele descreveu o que aconteceu na primeira vez que telefonou para sua mãe.
"Ela ouviu meus gritos e não conseguia parar de chorar. Eu também estava chorando. Nós dois choramos e choramos até que não sobraram mais lágrimas".
Philemon disse que nos primeiros dias após o telefonema da BBC, foi mais bem tratado por seus algozes.
Mas os espancamentos e a tortura logo recomeçaram. Apenas 11 do grupo de 20 reféns capturados sobreviveram àqueles sete meses de cativeiro.
"Havia morte todos os dias, bem diante dos meus olhos. O sequestrador que falou com você não estava mentindo. Ele matou muitas pessoas e ainda está matando muitas pessoas."
Os sequestradores finalmente concordaram em libertar Philemon após aceitarem que os US$ 13.200 que sua família - agora na penúria - havia pago eram tudo o que eles podiam oferecer.
Mas voltaram atrás e pediram que ele e outros dois reféns aprisionados junto com ele pagassem US$ 10 mil adicionais.
Várias semanas mais tarde, o dinheiro foi pago e os homens libertados.

Futuro incerto
Philemon seguiu para o Cairo, onde vivem outras centenas de vítimas de sequestros.
Até o momento, no entanto, sua busca por uma vida melhor trouxe apenas horrores e deixou sua família ainda mais pobre.
E seu futuro é incerto. Ele não sabe se receberá permissão para trabalhar de forma a poder devolver parte do dinheiro. E também não sabe se receberá asilo político para poder viver no Egito.
"Deus me tirou da mais profunda escuridão e somente ele sabe o que me espera agora".
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